corpo estirado às 8

Era semana de carnaval e Talita já sentia seu corpo febril de cachaça
dolorido das subidas de Santa teresa
e carente da maldita sexta feira
que distancia afetos e recria paixões.
Talita se sabia destrutiva, não entendia bem,
acreditava que era mais uma distração.
Da dor de ver João apaixonado por outra colombina
isso parecia não entender. Enrugava-se de todo.
Que suas juntas fraquejassem sob o seu lençol e espirrassem para fora da cama dores e sorrisos
porque este seria quem sabe o único motivo que teria para não ir ao bloco.

palavras em português

Paola tinha voltado de viagem havia um mês. Paola de volta depois de uma temporada na Europa, quase como um exílio sem ditadura, mais bem um exílio de suas próprias questões imateriais - amorosas, claro. Que seu presente congelasse e fizesse seu passado correr.
Como se estivera em um satélite.

Chegava em território estranho pela primeira vez depois de muito tempo.
A rua ainda era a mesma, o quarto também, com ausência apenas daquele seu pé d'água, que ninguém ficou para regar.
A planta murcha no quarto lhe provava que o tempo se marca pela matéria, enrugando e matando de a pouco para sentir saudade.
Sentir saudade era muito brasileiro.
Paola não era cidadã do mundo, mas estava perdida, e esse sentimento a aproximava um pouco de suas origens. Paola estava de volta.
Voltava aos poucos sentir saudade de todos os seus desamores e parecia de repente um suplício apagar de sua memória os corpos de seus antigos amantes, corpos devassos, sob seu pé d'água, alto e verde.

ainda pesadelos

Nas suas costas viam-se seis sanguessugas.
Nunca em vida havia visto uma, mas imaginava pela fábula e pela dor que se tratavam de seis vermes desformes, roxos e pulsantes parasitas, sem cabeça e nem rabo, grudados em uma superfície branca por suas ventosas compostas por pequenos dentes pegajosos que facilmente se enfiavam entre seus poros leitosos e sugavam matéria sua para dentro de seu corpo nojento.

Eram roxos de seu sangue, seguramente.

Saiu do banho e se olhou no espelho de costas.
A sua mãe lhe ajudaria a tirar cada um com uma pinça dourada.
As cicatrizes ficariam marcadas até o fim do verão, no máximo.

ano novo de Carol

Em meio aos fogos que explodiam sobre a sua cabeça
ela se lembrava daquele sonho-pesadelo que teve em agosto.
Aquele do fim do mundo, em que se abaixava
e era reconfortante ver que seu corpo existia porque se sustentava por suas pernas.
Encolhida olhando para cima, os fogos coloridos espalhavam faíscas luminosas
e Carol mentalizava seus mais recentes desamores.
Eram como aquelas estrelas. Incandecentes e fugazes.