jueves, marzo 27, 2008

Isabel

Procurou em vários livros da biblioteca.
Fazia 12 anos que estava o bilhete de Alfredo a Isabel
entre as páginas de "Alienista", de Machado de Assis.
É que tinham aula de Português logo depois do recreio.
Naquela tarde escondeu de remorso antecipado qualquer coisa que parecia um pedido de cinema. Esqueceu-se disso e devolveu o livro dentro do prazo.
Era péssimo aluno em redação. Repetiu de ano e mudou de colégio.

felicidade

Usou palavras simples para se expressar.
As palavras simples são as que já viraram sons
como vaca, céu, planta, água.
Brotaram da boca do recém nascido e viraram sapos verdes e rosas.
Saltaram até a borda do berço e se dividiram em infinitos traços de purpurina.

miércoles, marzo 26, 2008

humberto

Ia operar porque tinha um buraco no coração.
Desses que podem te tirar a vida se algo der errado.
Era a mais pura verdade científica,
Amélia lhe havia condenado uma de suas artérias principais.

domingo, marzo 23, 2008

marés de março

Ana saiu de tarde para um passeio pelo lago.
Sentou-se a beira e viu como o chão de lodo se mexia como em valsa com o oscilar leve do ritmo do vento.
Sentia uma brisa mexer na sua franja no exato momento em que uma bolha de ar salpicava da superfície do rio. Mesmo compasso.
Uma borboleta amarela parecia ter gosto de quindim
e as pontas do pelo do braço de Ana se ouriçavam em resposta.
A tarde escurecia e permanecia o cheiro do dia
que hoje a noite era de lua cheia.

viernes, marzo 21, 2008

nuvem

Pairava sobre ela um algodão espesso, branco e cinza
Não era água, de vista turva se encontrava. Com os olhos semi-cerrados.
Deitada na cama nua, sob seu lençol de flores coloridas
essa nuvem se obrigava a dilatar-se sobre o teto.
Era possível ver como os filetes de algodão se dispersavam mutuamente
e iam se espalhando como numa gravidade invertida,
pelas paredes do quarto, rumo a portas e janelas.
Ar espesso de melancolia se dissipa por osmose.

Poderia ter sido um sonho.

lunes, marzo 17, 2008

notas dos personagens

Júlia quisera afirmar
que o que mais ama em sua vida é escrever versos livres sobre superfícies virgens.
Lhe dá o desbravamento e a segurança que precisa. Até porque versões em folhas incompletas engendram em si uma possibilidade, sempre.
Júlia estava cansada de ser atendente do hotel em que trabalhava.
Agora já havia colhido para si inúmeras descrições que guardava amalgamadas (escutara isso de alguém) em sua cabeça.
Júlia estava feliz com sua pretensão. Era para ser agora, toda felicidade é momentânea e pontual.

cheiros de alfazema

Alguns amores de Joana existiam por sua trilha sonora e cheiro.
Dos amores inventados, dos mais perfeitos e deliciosos, daí, quiçá, sua fugacidade.

Enquanto isso árvores de Rotterdam passavam por eles em câmera lenta, enquanto que ele a beijava de mansinho sob seus cabelos escuros e lisos, desvelando como uma violeta seu pescoço fino e branco.
Cabelos tão diferentes daqueles loiros e curtos das holandesas.
Soava uma música em seu walkman que a embalava. Joana quase se morria de felicidade.
O padeiro daquela rua de nome estranho retirava outra remessa de pão fresquinho. O faria todos os dias, inclusive para Joana e Sebastian. O eslavo e a latina se entendiam graças aos seus cheiros e amor pela música. Seu inglês tortuoso denunciava as linhas de afeto do diálogo de um mundo inventado.

O pulsar quente do sangue de Joana se marcaria para sempre naquela música
e na imagem das árvores de Rotterdam
passando, passando.

sábado, marzo 15, 2008

carinhos

Aceitava dormir em cama de um lugar só e respirava o ar úmido que saia de seu armário aberto.
Não foi o suficiente.