miércoles, abril 30, 2008

versos

Corpo de Paula pedia por palavras quando sentia desprazer.
Porque não era dor, não, que isso é outra coisa.
Frases brotavam quando sofria por ter se desamado, machucar-se em voluntário
como um suicida que estende o pulso para o corte.
Era uma dor de prazer sofrido, um desprazer, daí.

Paula agora tinha sorrisos e leveza
e até sentir seu peso contra a cama
não voltaria a se cortar.

lunes, abril 14, 2008

profanações

Todos os restaurantes já estão lotados porque hoje tem jogo e já atravessamos todos a metade da cidade para chegar a um bar com preço modesto e televisão grande. Não torço para nenhum time e prefiro frango, mas dividimos uma maminha para três. Era como brincar de representar. Mais que nunca agora sim era carioca da estirpe da boêmia, do residente do flamengo mas que tem família do subúrbio. Outro chopp, outro chopp mestre, por favor.
Um sábado qualquer com jeito e pose de domingo. Com o sol daquela tarde virava cartão postal de uma juventude já por fim. Tornavamos adultos.
Formados, ex vagabundos, nos encontraríamos em cinco anos com nossos familiares e esposos, filhos e maridos. Relembrar esses dias. Que dormi com todos eles, e todas elas. Eramos prosituyos e vassalos. Talvez este dia já não valesse, porque afinal, já ficava como simulação de uma recente memória. Verdadeira pela sua invenção.

lunes, abril 07, 2008

rio 3476

A terra agora estava recostada em si. A América do Sul agora era mais sul do que nunca e ursos e tigres brancos caçavam naquilo que outrora fora o Aterro do Flamengo.
Logo ali no Outeiro dormia uma colônia de sobreviventes, que pela cúpula da igreja subia - em raras ocasiões - para ver a noite vermelha da superfície.
Eu e você já não existiamos mais, pudera, 1460 e poucos anos depois de nossa existência. Uma infinidade de noites de fim de duas eternidades que separavam o presente terreno de uma noite de lua cheia em um mar cor de prata. De quando ainda muito havia plâncton que reluzia. Bichos pequenos e traiçoeiros.
Nestes viu no espelho d'água ao meu corpo alvo nu. Sorriu. Esticou a língua no ar e me lambeu pelo reflexo.

Ipanema agora era geleira pura e carpas de dois metros nadavam sob o gelo. Seu nadar era lento devido à temperatura. Suas barbatanas grandes e viscosas tinham resíduos de matéria e gordura. Talvez jaz aí o algo de humano.

sábado, abril 05, 2008

malas

Saiu do carro. Por vaidade usava salto alto. Pisava com a ponta dos pé nas pocilgas que se formavam ao se redor. Tirou do carro uma mala grande e negra. Não tinha guarda-chuva, mas já estava bem perto de casa. Algumas crianças passavam correndo e rindo desse chuvisco de verão.
Às vezes era carioca mais que tudo, até mesmo sem a sandália rasteira dos dias de praia. Olha no elevador a menina do carnaval de 2004. São os mesmos olhos.